quinta-feira, 13 de março de 2008

LIBELO.



De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...


- Mas o mar está preso em correntes, e é preciso por ele lutar!


De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra -- um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não valor morar...

- Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!


De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?


- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!


De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo ?


Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as
únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo ...


Vinicius de Moraes - Abril 1950.
Para Uma Menina Com Uma Flor (Gosto muuuuito).

A foto não é minha, eu me perdi no nome do autor, sorry.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ah menina com uma flor, esta eu não conhecia.
Bárbaro, bonito mesmo.
As 'únicas coisas livres', é que me deixaram intrigado.
Um beijo grande pra vc!

Manuela d`Eça Neves disse...

chel... és tu, querido?
=*
=)

Manuela d`Eça Neves disse...

silêncio imperando...........
snif, sr. chel.